SER ÁRVORE

Então, cansado de ser gente, fui ser árvore.

Sempre achei que ser árvore seria algo transcendente, além da intenção humana, e de cujo lugar receber-se-ia a energia do Universo sem nenhuma barreira tola de pensamentos e emoções. Ah, eu quis tanto ser árvore que, por um milagre, ao despertar um dia, tornei-me uma delas.

Frondosa eu era, meus galhos tinham folhas vivamente verdes e flores nasciam sobre mim como benções do céu.

Mas, infelizmente, começaram os problemas. Preso ainda à minha intenção humana e a resquícios do meu antigo mecanismo cerebral, passei a fazer exigências descabidas à impossibilidade natural das árvores para determinadas demandas.

_ Podem dar uma podada! _ eu dizia, _ mas sem me machucar! (Isso era dito aos funcionários da Prefeitura que vinham fazer esse trabalho).

_ Ei, você! Está muito quente! Não podia jogar uma aguinha em mim? ( Isso para alguns incautos que se aproximavam.)

_ Não vão fazer xixi em mim! (Isso para os cães que vinham sempre aliviarem-se junto às minhas raízes. Ou, quando eu estava  com muita raiva: _ Não vai mijar em mim, não, cachorro sem mãe! Se você cagar, eu te mato, filho da puta!

_ Isso é tortura, não faz, não! ( Isso para quem gostava de riscar babaquices nas árvores, e até desenhar corações. Estes últimos, eram os  piores, porque as pessoas  achavam que transmitiam à minha pele,o amor que supostamente sentiam.Então, faziam com força e esmero.

E, por fim, as pessoas começaram a reclamar de mim.

_ Que árvore mais chata, a gente não pode passar que ela pede alguma coisa! “Aguinha, aguinha!!!”

_ Vou processar a Prefeitura que plantou ela aqui! Reclama da gente colocar um lixinho perto dela.

Mas suplício mesmo eram os passarinhos, beliscando a minha pele com seus pezinhos irrequietos ou cantando todo o tempo nos meus ouvidos!

Foi aí que descobri que para ser árvore, você tem que ser mesmo totalmente árvore, entregue a um estado que  só a natureza tem a capacidade de ter, e não levar contigo os miasmas todos de sua vida na época em que era humano. Eu teria que melhorar muito para ser uma árvore real, purificar totalmente  meu íntimo, o qual só então poderia dissolver-se  na plenitude da vida verdadeira.

Resolvi que era melhor retornar à minha condição de ser humano, tornar-me integral, humilde, e, aí sim, habilitar-me a ser árvore.

Então, surgiu um problema: como fazê-lo? Como voltar se já não tinha condições de usar de truques ou artimanhas como fazem os homens (alguns?) para  conseguirem aquilo que almejam?

Estava já alucinando na minha condição de meio homem meio árvore, quando vieram e me cortaram. Precisavam do espaço que eu ocupava para construírem um viaduto. “Que coisa engraçada”, ainda pensei antes de desaparecer,  “ fizeram a mesma coisa com a casa da minha família quando eu era criança!”

Sei que há uma pergunta que logo virá à mente de vocês a partir dessa história:

_ E aí, cara, você iluminou? Porque, olha só, se você foi árvore, quer dizer, fora do que a gente chama de intenção humana, tem que ter iluminado!

Sou obrigado a confessar que a única luz que eu senti naquela época era a de um poste na esquina que começava a me importunar às seis da noite e ia até às seis da manhã seguinte.

É isso.  Estes são os últimos resquícios do meu mecanismo cerebral, com os quais contei esta historia para vocês.  Me cortaram legal. Agora sou Eternidade. Mas dela não saberia o que dizer. E se dissesse, não estaria sendo eterno.                                                                                                                                                                                                                   LIN DE VARGA

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