ME BEBE O MAR?

Ventava muito e ele não se lembrava de um março no qual houvesse ventado tanto. Só sabia que não poderia pescar, novamente. A perna latejava mesmo quando ele estava em repouso   e sabia também que o mar não seria nunca mais inteiro para ele. Seu corpo perdera a inteireza e o mar não perdoava isso.

  Contentava-se em ficar por ali, vagueando pela praia, controlando, espartanamente, o ínfimo salário da aposentadoria e bebendo(cada dia mais) a cachacinha boa da birosca do Tadeu.

  O boteco ficava à esquerda da ruela formada na areia pelos barracos de um lado e outro, cuja formação simulava uma rua de verdade.

Era ali que gostava de beber e nunca pecava com mortadela ou pedaço de queijo. A cachacinha só  e, de vez em quando, uma cerveja. Mas precisava economizar a aposentadoria, porque era necessário dinheiro para a cachaça, até que a morte o viesse libertar.

     Não lamentava e, de fato, nem sabia o que era isso. A vida se apresentava a cada dia e ele, na verdade, agradecia. Agradecia às vezes, a foda dada com a Margarida, mulher que se prostituía nas noites da praia por dez reais, mas era só para despistar a sede permanente da cachaça.

     Não discutia também com Deus e estranharia muito se Ele um dia lhe tirasse a cachaça.

    Seu barraco era arremedo de barraco, mas o colchão era bom, sem cheiros, e ele o ganhara da sobra de um grupo de casas que o mar levara da praia, de supetão, em uma manhã fria.

    Pegara o colchão, arrastara-o com zelo e ficara satisfeito. Às vezes, pensava que o colchão era tão importante quanto a cachaça. Aonde  haveria de cair, toda noite, senão nele, depois da cachaçada?

    Toda hora se falava naquele negócio do governador que havia roubado o dinheiro dos funcionários. Era na televisão antiga, que ele só assistia na birosca. E que tirariam dele o salário. Via de consequência, também a  cachaça. Ele que não podia mais pescar.

    Por que seria que sua perna não sarava? Ficava pensando em se matar. Achava que o Padre Rodrigo não ia gostar daquela  ideia. Homem bom, sempre cuidando dos fiéis e falando. nos sermões contra o suicídio.”Virgem Santa”, o velho padre que o batizara, como receberia isso?

     Ele dizia a si mesmo que não havia motivo para preocupação. Não podia pescar, nem mesmo nadar. Todavia,  o mar, por enquanto, estava ali., Era só entrar e ir toda a vida, sem  voltar.**

                                                           lin de Varga 

* O autor tem seu romance “O Ajustamento da dobradiça”publicado na Amazon/kindle.

**Este texto, foi escrito de supetão, isto é, foi uma experiência na qual o autor colocou a caneta sobre o papel, sem saber o que iria escrever.Depois, digitou.É claro,só há a palavra dele, autor, de que isso foi verdadeiro.

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